De todo espaço semântico compreendido pela palavra “absurdo”, é de interesse deste rascunho, a definição presente em o Mito de Síssifo de Albert Camus. Esta definição exclui o absurdo como irracionalidade completa, o non-sense ,ou argumentos impossíveis, mas abrange as situações ou proposições que não são consideradas válidas, mas são acatadas igualmente, mesmo em detrimento da lógica. Seria um exemplo, acreditar em entidades místicas, mesmo tendo provas que elas não existem ou ainda trabalhar em tarefas que não geram frutos, ou que são nocivas em qualquer aspecto ao executor. Lidar com estes absurdos segundo Kierkegaard em Temor e Tremor é papel da religião, que como doutrina educa e exige a aceitação de um absurdo maior (Deus), e por meio de Deus os demais absurdos e injustiças seriam aplacados. Ou seja crendo num absurdo maior é possível conviver com absurdos menores. No entanto , acredito ser apropriado indagar quanto a origem deste absurdo menor.
Como percebe-se o absurdo? Das diversas formas que este pode ocorrer, gostaria de exemplificar a revisão de valores, acompanhada comumente de reflexões nihilistas como descrito por Freud em O mal estar na civilização, o sujeito questiona todos os seus valores. Valores aqui no sentido mais amplo, não trata-se de questionar o que é bom e o que é belo, e sim os pesos que atribuímos a todas as interações que efetuamos. Neste momento nihilista, o absurdo domina a maioria das relações do individuo, que ao retirar o valor daquela relação, a classifica como irracional, já que esta não é indispensável naquele momento. Um exemplo seria uma reflexão quanto a comer carne. Por que comer carne? Se tiramos o valor da carne, que seria sua propriedade, seu sabor, sua forma. Comer carne se torna irracional e desnecessário. Baseando-se neste exemplo pontual é possível expandir diversas comparações: E se este individuo, ao deixar de comer carne, é confrontado por outro valor ?
Até agora, os exemplos de valores citados foram restritivos, em contra partida. os valores também tem funções que impulsionam um individuo a realizar uma tarefa, mesmo em detrimento de si. O discurso sobre o que distancia os homens dos animais é longo e sempre divergente, sempre são citados nossa capacidade mentir e nossa capacidade empática. Gostaria de adicionar, a esta lista, nossa capacidade atribuir valor a qualquer atividade, item ou individuo. Este é o fator comum entre Moedas raras, línguas mortas, homens bomba, modelos internacionais e estilos de vida.
Cito aqui Oedipa Mass, brava protagonista de O leilão do lote 49 de Thomas Pynchon, ela, ao receber uma herança descobre um suposto complô de carteiros, que constituem uma rede de correios secreta, cuja marca é uma corneta. Viaja pelo pais rastreando os passos desta organização, todas as pistas que indicam a existência desta são dúbias, e torna-se claro que é escolha de Oedipa criar uma relação entre estas pistas. E quando retorna a sua casa, encontra seu Marido igualmente obcecado por um complô de revendedores de carros usados. Pynchon explicita nestas e em outras passagens o quão é simples criar uma estrutura, que seguindo determinados valores, faça sentido e que permita a um individuo perder-se totalmente, dedicar uma vida a estes valores. E além disto, mostra que, aquele que cria a estrutura é responsável pela argamassa que junta os tijolos que seriam fatos. Castelos de cartas que flutuam com a força do nosso pensamento, nossa imaginação. A incapacidade de decifrar esta estrutura ou finalmente derrubá-la é comparável a esquizofrenia como enunciada por obras como “Uma mente brilhante”.
Somos exímios etiquetadores e estabelecemos relações como ninguém, é evidente a analogia a uma rede neural, pesos atribuídos quimicamente a um dendrito de um neurônio que, lembrem-se, não tem ligação física com nenhum outro neurônio. O espaço onde ocorre a sinapse é o mesmo vácuo onde dos conceitos são relacionados? Quanto a isso tenho pouco conhecimento, mas a imagem de nossos pensamentos como um fractal de uma rede neural é no mínimo intrigante. E à sombra desta estrutura surge o sentimento de absurdo.Seria um impulso que exige que continuemos criando estruturas e inferindo valores ? Algo como um castigo, e uma ordem que exige uma nova cenoura presa a uma linha e uma vara, para que sigamos em frente? Shall I project a world? Pergunta-se Oedipa. Não penso que exista uma resposta, Oedipa criará e habitará tantas estruturas quanto lhe forem possíveis.
Europa Clipper
Há 2 dias
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