sexta-feira, 24 de julho de 2009

O Verme

Entre dois caracteres quaisquer (nada poético como A e Z , na verdade estamos falando do espaço entre D e F) sob a luz de lampadas fluorescentes, instaladas lado a lado num mesmo quadro espelhado de forma a aproveitar toda luz possivel, sento com um amigo.

- O Verme vai te pegar.- Ele pega todo mundo eu sei.- Então por que você corre dele?- Eu não sei fazer outra coisa.

O chão está coberto de um fuligem estranha,seca, cheira estranho. Não temos bancos meu amigo e eu. Sentamos no chão. O chão é artificial. As nuvems, se é que posso chamá-las assim, passam tão rápido que não posso distingui-las. É como se o sol piscasse. A cadencia é irregular, varia de acordo com o fluxo do texto. Relaxante.

- O Verme não faz distinção.
- Ok. E daí. Eu só quero continuar correndo. Correr como nunca. Fugir com propósito.
- O Verme vai te pegar.
- Você me odeia né?
- Não, só acho que você desperdiça seu tempo, você fica aí, sentindo, cheirando, prestando atenção. Criando conceitos. Definindo paradigmas até. Por que? O Verme vai te comer. Voce quer ser uma carne mas valorizada?
- Acho que ao contrário. Quero ser uma carne dura. Musculos. se eu ficar parado, serei carne macia.
- Voce nem é carne. Voce é osso, tendões e articulações. Miolo.
- Eu tenho um propósito.
- Bobagem.
- Eu tenho sonhos.
- Mentiras.
- Eu tenho amigos.
- O rebanho.
- Eu crio
- Voce copia.
- Eu penso.-

É, e daí.
- E dái??
- É, E daí?

- Eu penso! Eu entendo! Eu lembro! Eu sou!

- E depois.
- Depois o que?
- Depois, voce não pensa, não entende, não lembra. Depois, Voce não é
.- O Verme vai me comer.
- Vai.

Olho pras minha mãos e elas tem a mesma coloração da fuligem no chão. Elas são a mesma coisa. Eu sou a fuligem.

- Voce é pele morta.
- Não.
- Você é pele morta.
- Não.
- Você é pele morta.
- Não.

Nenhum galo cantou.

- E você, Quem voce é ? Você sabe meu destino, voce sabe o que eu sinto, você arrancou tudo, olha aqui, sou pele sem dono, sem propósito, sem vida! Eu não sou.

- Eu sou o verme.


___________________

Waiting...
Waiting...
Waiting...

Vonnegut Genesis'

He asked what relatives of mine had been wounded in wars. As far as I knew, only one. That was my great-grandfather Peter Lieber, an immigrant who became a brewer in Indianapolis after being wounded in one leg during our Civil War. He was a Freethinker, which is to say a skeptic about conventional religious beliefs, as had been Voltaire and Thomas Jefferson and Benjamin Franklin and so on. And as would be Kilgore Trout and I.
I told Trout that Peter Lieber's Anglo-American company commander gave his men, all Freethinkers from Germany, Christian religious tracts for inspiration. Trout responded by giving his own revision of the Book of Genesis.
Fortunately, I had a tape recorder, which I turned on.

"Please stop eating and pay attention," he said. "This is important." He paused to press the upper plate of his false teeth against: the roof of his mouth with the ball of his left thumb. It would come unstuck again every two minutes or so. He was left-handed, as was I until my parents made me switch, and as are my daughters Edith and Lily, or, as we call them affectionately, Edie Bucket and Lolly-boo.
"In the beginning there was absolutely nothing, and I mean nothing" he said. "But nothing implies something, just as up implies down and sweet implies sour, as man implies woman and drunk implies sober and happy implies sad. I hate to tell you this, friends and neighbors, but we are teensy-weensy implications in an enormous implication. If you don't like it here, why don't you go back to where you came from?
"The first something to be implied by all the nothing," he said, "was in fact two somethings, who were God and Satan. God was male. Satan was female. They implied each other, and hence were peers in the emerging power structure, which was itself nothing but an implication. Power was implied by weakness."

"God created the heaven and the earth," the old, long-out-of-print science fiction writer went on. "And the earth was without form, and void, and darkness was upon the face of the deep. And the spirit of God moved upon the face of the waters. Satan could have done this herself, but she thought it was stupid, action for the sake of action. What was the point? She didn't say anything at first.
"But Satan began to worry about God when He said, 'Let there be light,' and there was light. She had to wonder, 'What in heck does He think He's doing? How far does He intend to go, and does He expect me to help Him take care of all this crazy stuff?'
"And then the shit really hit the fan. God made man and woman, beautiful little miniatures of Him and her, and turned them loose to see what might become of them. The Garden of Eden," said Trout, "might be considered the prototype for the Colosseum and the Roman Games."

"Satan," he said, "couldn't undo anything God had done. She could at least try to make existence for His little toys less painful. She could see what He couldn't: To be alive was to be either bored or scared stiff. So she filled an apple with all sorts of ideas that might at least relieve the boredom, such as rules for games with cards and dice, and how to fuck, and recipes for beer and wine and whiskey, and pictures of different plants that were smokable, and so on. And instructions on how to make music and sing and dance real crazy, real sexy. And how to spout blasphemy when they stubbed their toes.
"Satan had a serpent give Eve the apple. Eve took a bite and handed it to Adam. He took a bite, and then they fucked."

"I grant you," said Trout, "that some of the ideas in the apple had catastrophic side effects for a minority of those who tried them." Let it be noted here that Trout himself was not an alcoholic, a junkie, a gambler, or a sex fiend. He just wrote.
"All Satan wanted to do was help, and she did in many cases," he concluded. "And her record for promoting nostrutms with occasionally dreadful side effects is no worse than that of the most reputable pharmaceutical houses of the present day."


_____________________
Vonnegut in Timequake

terça-feira, 21 de julho de 2009

Pano com alcool na garganta.

O Pai chacoalhava energicamente uma vareta amarela. A mãe na cozinha fervia agua para o chá. Chá mate, com meio limão e adoçado com mel. O Pai ainda chacoalhava a varetinha. Fazia tão rapido que dava pra escutar do sofá um vum,vum. O termometro cortava o ar. Vum Vum. Cof Cof. Respira filho. Uma xicará de chá expelindo vapor. Deixa esfriar um pouco. Cof,Cof . Vum Vum. Acho que já tá bom. É. Erga o bracinho. Isso segura bem apertado. Não deixa soltar não. Isso. Nossa ele tá bem quentinho né. Tá sim. Ó a mãe fez cházinho. Não faça essa cara. Esse é gostoso, não é o de boldo. Quer ver ó . Hummm. Cof cof. Vai toma um pouquinho. Isso, vai fica bom já, já. Eu sei filho, a garganta tá doendo, mas se você não tomar o cházinho voce não vai melhorar. Isso, seja forte. Acho que já dá pra tirar né? Dá sim. Humm.. 39. Vamos levar ele pro médico. Vamos? Eu acho que a gente devia dar um antitérmico pra ele, talvez um banho gelado, e um pano com alcool pra garganta.Cof Cof. Eu acho melhor levar no médico, mesmo. Pano na garganta é coisa da vó, Querida. Tá, vamos então. Filhão, vamos no médico tá? Não, não vai ter injeção não. Fica tranquilo.

Próximo!

Ok, mãe o que ele tem? Febre e uma tosse seca. Cof, Cof. E dor de garganta. Certo. Esperem um pouquinho que o Doutor já vai atender vocês. E então querida, será que demora? Não, não acho que somos os os próximos, viu filho, o médico já vai te atender.

André!
Aqui, aqui.


Então o que tá acontecendo com o André? Tosse seca, Dor de Garganta e febre. Tem catarro? Não. Vomito ou diarreia? Não. Senta ele na maca aqui. Isso. Quantos anos voce tem André? Cinco? Muito bem. Agora dia Ah! pro tio. Hm. Ok Agora vira a cabeça isso. Certo. Mãe abre a camisetinha dele ? Ok. Respira fundo André. Isso . Denovo. Denovo. Denovo. Isso. Ok. Agora. Isso. Ok. Então, o André tá com uma infecção na garganta. Eu vou receitar uma anti-térmico pra ele. O Novalgina. Voce vai dar uma dose a cada 8 horas. Isso. Se a febre dele subir demais voce pode dar um banho frio nele. Pra garganta , voce pode enrolar um pano com alcool pra diminuir o inchaço. E fazer gargarejo com agua e sal. Obrigado Doutor. Disponha!
E a vó tava certa né? O quê ? A vó. Como assim? Ela colocava pano na garganta com alcool. Ah sim. Não sei o que acontece, a gente sabe a solução, sabe o que tem que fazer. A solução é algo carola como pano com alcool na garganta, ou , se cada um fazer a sua parte tudo vai ficar bem. Querido, não to te entendendo. Pensa , a gente ia colocar o pano nele antes da consulta. Sim. Por que a gente não colocou ? Não veja por esse lado querido. A gente tava preocupado com ele, a gente só queria ter certeza. Sim, eu não acho que a gente tenha feito algo errado. Só pensando, eu queria ser um pai tão bom quanto meu pai foi pra mim. E eu sei o que fazer. Pano de alcool na garganta. Credo. Todo mundo sabe isso, mas todo mundo ignora. Credo. Como pode né, todo mundo sabe e todo mundo ignora, por que não é moderno e tecnológico o suficiente. Querido, to com sono. Vou dormir tá? Tá.


Cof, cof.