quarta-feira, 24 de junho de 2009

Paquita

Eu achava a Xuxa um barato. Ela chegava numa nave espacial (que mal saia do lugar) e usava roupas coloridas. Eu nunca quis ser a Xuxa. As meninas pelo que me lembro, queriam ser Paquitas. Usar aquele farda cheia de coisinhas brilhantes e dançar. Vi a estréia de Rei Leão, depois vi Pocahontas, que é uma merda. Eu via caçadores de dragões,Krull, Willow e Star Wars. É fácil se livrar desse tipo de ilusão, quando não existem dragões,magica e tudo mais. Você cresce e tenta fazer outras coisas. Minhas amigas não. Elas amadurecem mais cedo né? Os hormônios gritam e esculpem formas, a perna se torna obscena da noite pro dia. Largam as bonecas e o joguinho de chá. Largam tudo exceto querer ser Paquita. O Palco da Xuxa vira a Coluna do Lessa na Gazeta. Festas de 15 anos monstruosas, cavalos, uma noite de princesa. Depois desse êxtase, a ilusão cai por algum tempo, até que surge festa de casamento, 30 mil reais - "Eu sonho com meu casamento desde sempre!!" . Que lindo mais um momento perfeito. Aí vem um casamento. Pessoas bem sucedidas! Nenhuma magia. Os últimos feitiços que sobram na mão da Paquita são: trair o marido? Ter filhos? Filhos? Que lindo 9 meses. Barrigão. "Que linda você grávida !" Nasceu. E a mulher chora: "Minha filha. Minha filhinha! A realização da minha vida. Que orgulho eu vou ter ( quero ter, desesperadamente) de você!!". Os olhos e o nariz da Mamãe, o cabelo do papai. A insegurança, o desespero, e as ilusões dos dois. Não é tão simples. Você, a mãe, paga uma plástica, remover um pouquinho do osso do nariz dela (o seu nariz) que ela (e voce) odeia tanto. A operação é financiada. Custa 7 mil. 11% a.a. Em 3 anos. Você paga, claro que paga.Voce quer que ela goste do próprio rosto. Você descobre ao ler o diário secreto dela, que é publicado no blogspot, que ela está namorando. Você se assusta, respira fundo. Deve ser assim que são as coisas hoje em dia. Você se assusta ao ver ela chorando baixinho na cama. Você imagina coisas horríveis. O tempo todo. Você insiste em levá-la no ginecologista. Ela se nega. Você tenta conversar com ela sobre sexualidade. Ela ignora. Você desiste. Ela cresce. Você paga a festa de debutante dela. A festa é linda. Você observa de longe, ela pensa que você já foi embora. Ela vai pra um canto do salão, você vê um garotinho bem apessoado , disfarçadamente, colocar a mão sob a saia dela. Você fica vermelha. Fica com raiva, caminha a passos largos quase correndo na direção dela. Você já ensaia os gritos, vai bater nela, vai castigá-la. Você vê a expressão dela, ela fecha os olhos. Ela está gostando. Você congela. Fora de seu disfarce prestes a estragar a festa perfeita. Você corre de volta pro seu esconderijo. Você pensa em contar isso pro seu marido. Você desiste. Ela leva o mocinho pra um salão fechado anexo ao salão da festa. Só você vê ela entrando. Você espera. Depois de 25 minutos dolorosos, já são 3:48 da manhã, você vê a menina , a sua menininha saindo. Ela caminha despreocupada em direção ao banheiro. Você corre até aquele salão maldito, reza, pra não encontrar aquela peça de latex com um nózinho na ponta. Você não encontra. É facil reconhecer as marcas no pó. o chão ainda está quente e molhado. Doze horas depois e sem dormir, você invade o quarto dela com um coquetel hormonal chamado de : "pilula do dia seguinte". Você tenta ser uma mãe moderna. Sua filha percebendo que não existe mais segredo, aceita, finalmente ir ao ginecologista. Ele adverte a menina. Você se tranquiliza. Passou. Ela mantem relações regulares, você já permite que essas aconteçam na sua casa, com a devida precaução. Ela entra na faculdade. Ela se casa. Ela tem um ótimo trabalho, 34 anos e não quer ter filhos ainda. Você morre. Ela sente muita falta sua, e sente finalmente vontade de constituir uma família. Ela para de tomar anticoncepcionais. Tenta por 6 meses ter um filho. Não dá certo. Apela finalmente pra um tratamento hormonal. Engravida. Aborta na terceira semana. Ela vê o tempo passando, sua vida acabando (apenas 35 anos!). O mundo perde uma cor inteira. Ela espera. Sete anos depois, ela engravida naturalmente. Seria a redenção? No segundo mês ela tem um sangramento, está agora na cama, recomendações médicas. "Só levante pra ir ao banheiro, você perdeu muito sangue já, se você sangrar denovo, sua vida vai estar em risco, bem como a do bebe. Ela tem medo, ela se sente incapaz, ela se odeia, ela odeia o marido, e sobretudo ela ama você, e sente muito a sua falta. Ela vê tudo o que aconteceu, ela teoriza sobre a vida, ela quer ter uma filha pra fazer tudo diferente. Ela acha que não vai conseguir. O marido está no trabalho, ela está deitada. Ela troca de canal a cada 2 minutos. Dói um pouco. As costas doem também. Ela troca de travesseiro. Pensa em virar de lado, no que ela se prepara para virar ela lembra da sua condição e continua parada. Ela sente as costas dela formigarem bem de leve. Ela jura que não é nada. Ela quer ir ao banheiro. Ela ignora. Liga pro Marido. O telefone toca uma, duas três vezes, um bip, e a mensagem. "Liga pra mim ?" Ela precisa muito ir ao banheiro mas ela não tem coragem de se levantar. Ela fecha os olhos, e lembra que pode rezar. Pai nossos, aves Maria. "Deus protege o meu filho". Ela sente , bem de leve, algo molhado escapando. Ela imagina que devia ter ido ao banheiro. - E se for sangue? Ela lembra que entre o bebe e a mãe, os médicos sempre salvam a mãe. Ela se encolhe, lentamente leva um dedo até lá, ela toca, é molhado. Molhou a cama. Ela sente um cheiro estranhamente familiar, as suas panelas de ferro , que você usava pelo menos uma vez na semana. Ela fecha os olhos novamente, ela não tem coragem de levantar aquela mão e ver o que é que sujou a cama. Ela pensa em se levantar, já está escuro. Com a outra mão ela tenta alcançar o abajur, sem se levantar. Quase. O dedo raspa no interruptor. Ela escuta os passos do marido. Ele já chegou? Já é Noite. "Querida ?" Os passos se aproximam, ela está suando muito. O interruptor está ainda inalcançável. Ela poderia fingir que está dormindo. Mas ele poderia ver a mancha no colchão. Ela pensa em pedir pra ele não entrar, mas a porta finalmente se abre. Paquitas? Faz tempo que não vejo elas. Devem estar lá de alguma forma, eu imagino. Elas não tem mais nome. "Mamãe eu quero ser aquela moça ali no fundo!"

Não funciona.