sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Os besouros do Grande Irmão

George Orwell, em sua obra "1984", cria uma distopia que relata um futuro próximo dominado por um governo opressor e ditatorial. No entanto, o sistema não é perfeito, ainda existe a possibilidade de uma rebelião ocorrer. Em resposta, o governo tenta criar o que seria o controle absoluto. Um controle linguístico. Com isso, cria-se a Novilíngua. Esta língua criada, baseia-se na língua então vigente, com uma diferença, esta nova língua excluirá diversas palavras consideradas perigosas como "liberdade". Na Novilingua, é impossível dizer, por exemplo, o governo é ruim, porque esta palavra (ruim) não existe. No máximo pode-se usar um "imbom", mas sem outras palavras uma pessoa não conseguirá descrever porque o governo é "imbom". O objetivo de tal ação baseia-se na teoria que, ao banir essas palavras do vocabulário, os sentimentos e atitudes que estas inspiram seriam banidas conjuntamente. Nesta visão, as experiências de uma pessoa são delimitadas pelo seu domínio de linguagem. De acordo com essa visão, declara Wittgenstein, na proposição 5.6 de seu Tratado Lógico Filosófico, "Os limites da minha linguagem são os limites do meu mundo". Seria o mundo então definido apenas pelas maneiras que temos para descrevê-lo? Eis o relativismo lingüístico. Tomando essa idéia, seria impossível traduzir conceitos entre línguas, no entanto, milhões de livros são traduzidos anualmente. Nas “Investigações filosóficas”, Wittgenstein exemplifica sua nova visão quanto ao relativismo lingüístico. O famoso caso dos besouros. Wittgenstein sugere que imaginemos um grupo de pessoas segurando caixas. Estas afirmam que dentro de suas caixas existem besouros. No entanto, não é possível enxergar dentro da caixa das outras pessoas. A afirmação de que dentro da caixa há algo que reconheço como besouro é suficiente para a comunicação, não importando que dentro da caixa exista uma espécie muito rara de besouro ou uma pedra. Se considerarmos que cada caixa representa a cabeça de um indivíduo, o mesmo relativismo lingüístico, antes enunciado na fronteira entre línguas, agora é exemplificado na fronteira entre quaisquer pessoas tentando se comunicar em qualquer língua. Estabelecido assim, que o relativismo estará sempre presente, cabe aos tradutores , focar na compreensão da diferença entre os espaços semânticos contemplados pela palavra em seu idioma original e negociar, como define Eco, o novo espaço que a tradução cobrirá. Valendo ainda da concepção de tradução discutida por Eco, em “Quase a mesma coisa”, a tradução não deve negociar somente com o texto, mas também com o mundo criado pelo autor. Busca-se, então, uma fidelidade neste espaço e não uma exatidão. E essa mesma fidelidade,entre original e a tradução, que pode sim, ser alcançada em algum grau, é em si a prova que o relativismo lingüístico radical não afeta nossa língua como descrito. (Um exemplo seria o da palavra saudade, que seria um sentimento único dos falantes de português – e romeno – que equivale a um " miss someone or something you hold dear" que expressam quase a mesma coisa, com menos ou mais palavras). E se nosso mundo fosse realmente delimitado pelo nosso vocabulário, o que seriam dos poetas, que se esforçam ao máximo para passar para o papel seu sentimento mais único? Ao estabelecer esta nova forma de encarar o relativismo, Wittgenstein transforma o que antes era um argumento contrário a tradução, em um novo enfoque que enriquece de certa forma toda a empresa tradutória.